Em luto pelas mortes, espremidos em casas de terceiros, morando em escolas ou abrigos improvisados. Esta é a situação dos habitantes de mais de 150 cidades baianas três meses após as grandes enchentes que afetaram o estado no fim do ano passado. Considerada a maior tragédia contemporânea da Bahia, as chuvas provocaram 27 mortes, deixaram 523 pessoas feridas, 25.901 desabrigados e 58.691 desalojados.
Os números ganham contornos mais dramáticos e comovem diante de histórias reais. Entre os óbitos desta catástrofe estão Cícero, um menino de nove anos, e Cecília, de apenas quatro. Os dois foram encontrados soterrados no deslizamento de uma casa em Itamaraju, extremo sul do estado, após duas horas de busca. Arrasados, os pais não falam sobre o assunto.
Keila Lima, tia dos garotos, tenta explicar o sofrimento remanescente na família desde a confirmação das mortes. “É muito difícil, principalmente para a mãe e o pai. Dos três filhos, dois se foram. Até hoje eles sofrem bastante”. Ela conta que a família, além de passar por dificuldades financeiras, chora as perdas precoces diariamente.
Desde a morte dos filhos, no entanto, eles tiveram que continuar trabalhando para reparar os danos da casa. “Não tem jeito. Infelizmente, a rotina tem que voltar”, lamenta Keila.
Traumas
Mãe de dois meninos, a autônoma Poliana Santana, de 25 anos, relembra que a sua casa foi a primeira a ser destruída pelas fortes chuvas em Ilhéus, no sul da Bahia. “Só deu tempo de correr e gritar”.
Na ocasião, perdeu tudo e a sua residência foi condenada pela Defesa Civil. De mãos vazias, se abrigou na casa da sua mãe. No dia seguinte, parte desta casa também desabou com o impacto das precipitações. O seu filho, de sete anos, foi quem viu primeiro a avó soterrada, apenas com a cabeça para fora. “Agora, quando chove, ele entra em pânico. Grita que quer ir embora, pede socorro. Está traumatizado”, revela.
Socorrida por vizinhos e por bombeiros, a mãe de Poliana sobreviveu ao abalo, mas, ferida, passou a precisar da ajuda da filha, que, ao lado do marido, está reconstruindo a casa do zero, recebendo doações de materiais de construção. “Minha mãe trabalhava fazendo salgados e com manicure. Mas ela ficou com a perna e o braço atingidos e já não consegue mais”, diz.
Na tragédia, a faxineira Sirlane Rosa Ferreira, 32, ficou sem guarda-roupa, cama, estante e armário. Moradora de Ibicaraí (região sul), conseguiu fazer reparos na casa graças à ajuda dos patrões e amigos. “A cerâmica quebrou e a parede caiu, mas a gente conseguiu consertar”, comemora.
Sem móveis, porém, os seus pertences estão armazenados em caixas improvisadas, no chão. Mas este nem de longe é o maior dos problemas. Todo dia que chove, o trauma reparece. “Outro dia deu uma chuva e levantei assustada, às 3h, para ver o rio”, diz.
O medo permanente também mora em João Alves, de 71 anos. “Se, por acaso, começa a encher o canal, eu dou o fora logo”, conta o aposentado. Morador de Itabuna, foi protagonista de uma das imagens mais marcantes da tragédia, sendo resgatado por um voluntário em um barco quando a água já chegava em seu pescoço.
Ação imediata
A ONG Grupo Amigos da Praia (GAP), em Ilhéus, tem acompanhado a situação dos municípios baianos. Foi a entidade que ajudou Poliana a arrecadar materiais para construir uma casa. Segundo a diretora do grupo,
Jurema Cintra, depois de três meses, a preocupação com a catástrofe na Bahia foi diminuindo à medida em que outras desgraças ganhavam mais espaço no noticiário.
“Em Petrópolis, uma ONG, em um dia, arrecadou R$ 1 milhão. Aqui, nem perto disso. Não que as pessoas lá não estejam sofrendo, mas não dá para contar só com a solidariedade. Cadê as políticas públicas?”, cobra.
Segundo o GAP Ilhéus, apenas 26 famílias receberam o Auxílio Aluguel do estado na cidade. O número, segundo a ONG, é incompatível com a quantidade de pessoas desalojadas.
Procurado, o governo do estado disse que orienta os prefeitos das cidades a informar os danos causados pela tragédia como forma de buscar uma captação imediata de recursos. Disse ainda que forneceu 6,2 mil itens como geladeiras, colchões e fogão, além de doar 12 milhões de quilos de alimentos. A Defensoria Pública do Estado (DPE-BA) informou que abriu uma unidade móvel para atender as famílias afetadas, onde não exista uma unidade fixa do órgão.
Mesmo diante destes esforços, alguns ínfimos, a tragédia permanece viva em quem foi tocada por ela.