Os homens que já possuem um histórico de não priorizar a saúde encontraram na pandemia do covid-19 razões extras para negligenciá-la ou adiar ainda mais o autocuidado. Longe dos consultórios médicos, muitos deixaram de fazer os exames que são imprescindíveis para o diagnóstico precoce e, consequentemente, a cura do câncer de próstata, a exemplo do toque retal e do PSA, antígeno prostático específico. Além disso, hábitos alimentares inadequados, sedentarismo, tabagismo, alcoolismo, estresse e depressão agravaram a situação da saúde masculina no país. Por todas essas razões, o maior alerta do movimento “Novembro Azul” este ano não poderia ser outro senão chamar o homem a retomar os cuidados com sua saúde.
Dados inéditos do Ministério da Saúde, obtidos a pedido da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), revelaram uma redução de 21,5% nas cirurgias para retirada da próstata por tumor na comparação entre 2019 e 2020. Além do tratamento, o diagnóstico da doença também sofreu um grande impacto no Brasil: queda de 27% nos exames de PSA e de 21% nas biópsias de próstata. A coleta de PSA e de biópsia da próstata, que junto com o exame de toque retal diagnosticam a doença, tiveram quedas na ordem de 27%2 e 21%2, respectivamente. As consultas urológicas pelo SUS foram reduzidas em 33,5%. Já as internações de pacientes com o diagnóstico da doença tiveram queda de 15,7%.
De acordo com o urologista Nilo Jorge Leão, esses números não demonstram redução no número de doentes, infelizmente. “Pelo contrário, eles nos preocupam muito porque escondem uma demanda reprimida enorme. Tudo o que não queremos é descobrir tumores em estágios avançados, quando as chances de sucesso do tratamento se reduzem progressivamente”, destacou o coordenador do Núcleo de Uro-Oncologia do Hospital Santo Antônio (Obras Sociais Irmã Dulce – OSID) e coordenador do Instituto Baiano de Cirurgia Robótica (IBCR).
Uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) sobre o atraso cirúrgico emergencial e eletivo durante a pandemia no Brasil revelou que mais de um milhão de cirurgias foram canceladas ou adiadas no Brasil. Na área de urologia da OSID, por exemplo, embora as cirurgias oncológicas não tenham deixado de acontecer, com favorecimento dos pacientes com diagnóstico de câncer de próstata, muitos não conseguiram consultas, atrasaram ou tiveram receio de buscar atendimento. “Isso implica em diagnóstico tardio, e menores chances de cura”, pontuou Nilo Jorge Leão.
A redução do número de consultas com urologistas em todo o país contribui para a preocupação do urologista. Até julho deste ano, apenas 1.812.982 consultas foram registradas no Brasil. Em 2020, este número foi de 2.816.326, muito menos que em 2019, ano em que 4.232.293 consultas foram registradas. “Infelizmente, não temos o registro do número de biópsias de próstata realizadas na Bahia, mas os dados de estados como o Acre, que sofreu redução de 90%; Mato Grosso, onde houve redução de 69%; e Rio Grande do Norte, onde as biópsias caíram pela metade, sugerem que temos motivos para nos preocupar por aqui, pois este é um exame determinante na confirmação do diagnóstico do câncer de próstata”, frisou Nilo Jorge Leão.
Neste momento, não só as cirurgias, as consultas e os exames já foram retomadas a todo vapor como também os estímulos para a mudança de hábitos de vida. “Os espaços para a prática de esportes e atividades físicas foram reabertos. Portanto, não há mais espaço para o sedentarismo. Mudanças na alimentação e outras melhorias dependem muito da força de vontade de cada homem. Nosso desejo é que todos façam sua parte para viver mais e melhor”, declarou o urologista.
O câncer de próstata, que representa 29% dos diagnósticos da doença no país, é o tumor mais frequente no homem, excluindo-se o câncer de pele não melanoma. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), são esperados 65.840 novos casos para 2021, porém muitos podem não ter sido diagnosticados. Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) obtidos pela SBU mostram que a mortalidade por câncer de próstata aumentou cerca de 10% em cinco anos, subindo de 14.542 (2015) para 16.033 (2019).
Assim como muitas outras doenças, o tumor de próstata não provoca sintomas na fase inicial e por isso os exames periódicos são tão importantes. Geralmente quando apresenta sintomas, como vontade de urinar com frequência e presença de sangue na urina ou no sêmen, o câncer já está numa fase mais avançada. A recomendação da SBU é que os homens, a partir de 50 anos, mesmo sem apresentar sintomas, procurem um urologista para avaliação individualizada. Homens negros ou com histórico de câncer na família devem começar seus exames mais precocemente, a partir dos 45 anos.