Por Filipe Oliveira
O anúncio do encerramento das atividades do Sistema de Trens do Subúrbio feito pelo Governo do Estado na manhã de ontem (26) já tem gerado preocupação para os usuários do sistema ferroviário. Sem o funcionamento dos trens – que vai parar de circular no dia 15 de fevereiro para que sejam iniciadas as obras do Veículo Leve de Transporte (VLT) ou monotrilho – a população da região deverá utilizar os ônibus urbanos, e ao invés dos R$0,50 gastos com a tarifa cobrada no modal, vai ser preciso desembolsar o valor de R$4,20 para a passagem.
Para o secretário estadual de desenvolvimento urbano, Nelson Pelegrino, que conversou com a equipe de reportagem do jornal Tribuna da Bahia, a tarifa paga pelos usuários do trem ao utilizarem os ônibus a partir de fevereiro não deve ser encarado como um problema. “Essa tarifa [do trem] de R$0,50 é desde 2020 porque é um transporte precário, que não leva ao destino do usuário. Fizemos uma pesquisa e concluímos que a população que pega o trem do Subúrbio é sazonal. São estudantes, idosos e tem uma parcela pequena que trabalha nas regiões da Calçada e Feira de São Joaquim. Para se deslocar para qualquer outro lugar é inevitável gastar mais com o transporte”,declara.
Pelegrino comentou ainda que o Governo do Estado gasta cerca de R$100 milhões por ano com subsídios para o transporte público. Segundo ele, a tarifa do metrô, que iniciou sua operação comercial em 2016, só é mais barata por causa desses subsídios que permitem a integração com o transporte por ônibus na capital. “Se você pegar um ônibus em Ilha de São João e ir até Pirajá vai pagar R$4,20, pegando também o metrô e outro ônibus. Se não fosse o subsídio, o passageiro pagaria R$8, porque R$3,80 o governo está pagando”, enfatiza. Ao comentar novamente sobre a situação do trem, o secretário indagou: “como eu vou saber quem é que pode pagar R$0,50 e quem pode pagar R$4,20?”.
Por fim, Pelegrino afirmou que o novo modal VLT será um meio de transporte mais amplo e que deve atender além da população do Subúrbio. “Não é o universo só de mil e poucas pessoas que pegam o trem no dia a dia. Deve atender por volta de 90 ou 100 mil pessoas. A questão da taxa é um problema social, mas não apenas dessas pessoas. Acho que tem que ser discutido, estamos numa crise de mobilidade urbana que obriga os passageiros a largarem os sistemas de transporte por não terem como pagar a tarifa e optam por andar a pé. Mas como disse, o VLT vai ser subsidiado e a tarifa não custaria R$4,20. Eu e vocês pagaremos com os impostos”.
O cozinheiro Edvan Santos, que mora no Alto da Terezinha e é usuário do trem, comenta que o valor gasto com a passagem de ônibus vai pesar no bolso da população. “Tem gente que nem tem esse valor para pagar a tarifa do ônibus. Vai ficar muito complicado, e com a chegada do VLT o preço não vai ser mais o mesmo do trem, o que deve exigir mais recurso de quem, às vezes, nem tem”, lamenta. Para o jornalista e ex-morador do bairro de Praia Grande, Daniel Brito, a situação com a tarifa e o transporte é absurda. “A demanda do trem é para a Calçada. O redirecionamento da demanda atinge diretamente quem utilizava o trem para ir a locais exatos e vão agora precisar pagar uma tarifa alta, sem nenhuma revisão para essa parcela da população”, enfatiza.
Pesquisa do MP-BA
Segundo a pesquisa realizada pelo Bákó Escritório Público de Engenharia e Arquitetura da UFBA, Ministério Público Estadual (MP-BA) e Tec&Mob em 2020, atualmente seis mil pessoas utilizam por dia a linha de trem entre as estações da Calçada e Paripe, sendo que 42% deles ganhavam, à época da pesquisa, menos que um quarto do salário mínimo e estavam abaixo da linha da pobreza. O perfil traçado aponta ainda que 90% dos usuários eram negros, 80% chegavam à estação do trem a pé e cerca de 70% afirmaram que deixarão de utilizar a linha ou reduzirão o uso após a mudança do modal.
Ainda segundo o estudo, o gasto mensal com transporte saltaria de R$ 20,00 para R$ 160,00, considerando duas viagens por dia útil (ida e volta) as tarifas de R$ 0,50 (do trem) e R$ 4,00 (monotrilho). Outro problema apontado é a remoção de 364 famílias no entorno das obras, previstas para começarem ainda neste mês, cujas indenizações estariam abaixo do valor do mercado imobiliário, causando problemas para que as famílias encontrem outro lar na mesma região.
O projeto
De acordo com informações da Secom do Governo do Estado, as obras do VLT têm custo de R$2 bilhões e o desenvolvimento do projeto deverá beneficiar diretamente cerca de 600 mil moradores da região. O prazo para a conclusão das obras é de 24 meses. O VLT terá capacidade para transportar cerca de 170 mil usuários por dia, será movido à propulsão elétrica e sem emissão de agentes poluentes. A Fase 1 compreende 19,2 km, com 21 estações e vai ligar o bairro do Comércio, na cidade baixa da capital, até a Ilha de São João, em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador. Na fase 2, que liga a região de São Joaquim até o Acesso Norte (integração com o metrô), estão previstas mais 5 estações.