“A gente já vinha com a relação desgastada, com muitas idas e vindas, brigas e histórico de abuso psicológico. Tentei segurar a relação por causa do nosso filho, de 3 anos. Quando veio a pandemia tive tempo para olhar mais para a minha vida e tomei a decisão de me separar”. O relato é da servidora pública Maria Clara*, de 34 anos, mas é parecido com o de outros casais baianos, que, assim como ela, tiveram mais tempo de conviver e discutir a relação durante a quarentena, provocada pela pandemia da Covid-19 (novo coronavírus).
De acordo com dados do Colégio Notarial do Brasil seção Bahia (CNB/Bahia), que representa os Cartórios de Notas, os pedidos de divórcio entre os meses de março e junho de 2020 tiveram queda em relação ao mesmo período de 2019. Desde quando foi iniciada a quarentena no estado, em meados de março, até o dia 19 de junho, foram registradas 185 solicitações de separação, contra 777 no mesmo período do ano passado. Mas esta redução pode ser atribuída a três fatores: isolamento social, fechamento dos cartórios ou horário de atendimento reduzido.
A expectativa é a de que os números cresçam, após publicação de uma norma nacional, datada de 26 de maio de 2020, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), permitindo a realização de divórcios consensuais por meio de videoconferência. Para o presidente do CNB/Bahia, Giovani Gianellini, esta iniciativa deve provocar uma maior procura por causa da demanda reprimida. “Com estas iniciativas tecnológicas, temos a possibilidade de realizar os mesmos procedimentos dos cartórios. A expectativa é a de que este número se normalize e que represente uma demanda represada por um tempo” afirma.
O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), assim como os cartórios, também contabilizou queda nos pedidos de separação: 3.204, de março a junho deste ano, contra 7.509 no mesmo período de 2019.
Maria Clara não precisou procurar a justiça ou o cartório para se separar, uma vez que eles só viviam juntos e não estabeleceram um vínculo matrimonial perante a lei civil ou religiosa. “No nosso caso foi mais fácil, porque a gente não era casado de papel passado. No mesmo dia (da separação) ele pegou as coisas e saiu de casa. Hoje, eu consigo ver tudo com muito mais clareza. Foi muito estressante, mas eu precisava olhar mais para mim, ter amor próprio e fazer as minhas coisas”, conta, aliviada.
Relacionamentos durante a pandemia
O convívio entre os casais que dividem o mesmo espaço se tornou quase uma obrigação, em função das medidas de isolamento social recomendadas por autoridades de saúde e impostas pelas prefeituras locais. Como manter o clima amistoso neste período tão difícil?
Segundo o psicólogo, terapeuta, palestrante e professor Luiz Hosannah, todo período de crise tem uma função simbólica psicológica de “abrir as comportas da alma” e “confrontar a gente com a nossa sombra”. “Estamos nos confrontando com as situações recalcadas e reprimidas. Para os casais, é o momento de refletir: que relacionamento é este? É hora de encarar o que a gente, de fato, sente pelo outro”, afirma.
De acordo com a amostragem do professor Hosannah, em seus atendimentos, os pacientes que estão repensando a relação são heterossexuais, com idades entre 35 e 55 anos. “Pela minha experiência clínica, alguns pacientes que estavam com relacionamentos mornos, empurrando com a barriga e no piloto automático estão questionando o sentido desse relacionamento. Muitos casamentos que estavam em processo pré-falimentar só não tinham a auditoria dos números para saber que já não tinham como se sustentar”, explica.
Dicas para uma boa convivência
Não é raro saber de amigos, parentes ou vizinhos que estão enfrentado dificuldade para estabelecer uma convivência harmoniosa durante a quarentena. O professor Hosannah enumerou algumas dicas para os casais conviverem melhor, que também servem para qualquer tipo de relação. Confira abaixo:
-Manter o diálogo aberto;
-Dar e receber feedback em tempo real, as famosas DRs, mas sem overdose e com muita transparência;
-Não acumular insatisfações, não deixar nada debaixo do tapete;
-Criatividade para ir além da rotina. Tomar consciência que temos pouco tempo um para o outro e investir este tempo de maneira criativa;
-Sempre que tiver uma divergência nunca rebater e generalizar
*Nome fictício para preservar a identidade da fonte