Artigo: Órfãos de pais vivos!, por Ana Patrícia Dantas Leão*

JUSTIÇA

Por coincidência ou por força do destino, neste ano de 2024, celebramos na mesma data, 11 de agosto, o dia dos pais e o dia da advocacia. A paternidade vivenciada com amor, responsabilidade e presença é estruturante para a formação psicoemocional das crianças e determinante do proceder dos adolescentes e adultos. Uma sociedade emocionalmente saudável demanda pais presentes, amorosos e responsáveis.

Infelizmente, o Brasil vive a triste realidade do abandono afetivo e da negativa de paternidade. De acordo com a Associação Brasileira de Registradores Civis de Pessoas Naturais (ArpenBR), no ano de 2023, 172,2 mil crianças nascidas no Brasil foram registradas apenas com o nome da mãe. Ainda de acordo com o Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), também no ano de 2023, 48,7% dos lares brasileiros tinham as mulheres como as responsáveis pelo cuidado integral dos filhos. Confesso que esses dados me comovem e me preocupam profundamente.

Por esse motivo, eu gostaria de falar com vocês, meus colegas da advocacia, jovens e estudantes, assim como com os que me seguem em minhas redes sociais ou que escutam o meu programa na rádio CBN, para enfatizar a necessidade urgente de adoção de políticas públicas voltadas à responsabilidade paterna e à assistência dos filhos órfãos de pais vivos. Eu, como uma advogada familiarista, atuante há mais de 20 anos, tenho presenciado através das causas que defendo as dores dessa luta em prol da paternidade efetiva e responsável.

Esta situação me fez pensar também na realidade da advocacia baiana no que se refere ao que poderíamos chamar de “abandono institucional”. Composta por 61.919 (sessenta e hum mil, novecentos e dezenove) advogado(a)s ativos, a advocacia baiana atravessa tempos difíceis, especialmente a jovem a advocacia. Nossos jovens ingressam nessa carreira tão linda tomados de entusiasmo e por grandes sonhos, mas logo no início se decepcionam ao se depararem com condições de trabalho adversas, que vão desde uma remuneração desrespeitosa, passando pela inexistência de piso salarial, morosidade do Poder Judiciário e culminando com os maus tratos até de magistrados e servidores – estes últimos, uma absoluta minoria, devo salientar -, mas cujo efeito é devastador na classe.

E seguindo o antigo ditado popular: “a palavra ensina, mas o exemplo arrasta”, foi que no último dia 1 de agosto, no mês em que comemoramos a advocacia, advogados foram humilhados até por estagiários no 4 Cartório Integrado de Consumo da Comarca de Salvador, alcançando o ápice do absurdo quando a negativa de atendimento, desta feita pelo magistrado, alcançou inclusive a própria OAB, fato registrado em imagens que circularam por dias em grupos de WhatsApp como um apelo coletivo para que a Instituição adotasse alguma medida que nos transmitisse esperança por dias melhores e um sentimento de cuidado e de acolhimento. Mas o constrangimento sentido pela advocacia baiana diante da constatação da sua impotência perante o Poder Judiciário foi rapidamente suplantado pelo sentimento de estarrecimento diante da desconcertante nota emitida pela AMAB, que, no dia 2 de agosto, em defesa da sua entidade de classe e revelando que não está para brincadeira quando o assunto é proteger os seus, além de apoiar a conduta do magistrado desconsiderou que a advocacia é indispensável à administração da justiça (art. 133 CF/88), na medida em que utilizou expressões fortes como “invasão constante de gabinetes”, “destempero”, “truculência e ausência de capacidade de compreensão”.

À nota da AMAB, a OAB segue apequenada e emudecida, mas festejando nas redes sociais o mês da advocacia. Tal qual as 172,2 mil crianças abandonadas em todo Brasil, aqui na Bahia, a jovem advocacia, estudantes e nós, advogadas e advogados de forma geral, também sentimos na pele uma forma de abandono material e institucional. Eu gostaria muito de celebrar este mês de agosto com frases festivas nas redes sociais, mas meu sentimento de responsabilidade e compromisso me conduzem à convocar toda a advocacia a um momento de reflexão e mudanças. Que assim seja o mês da advocacia, um prenúncio de mudanças que estão por vir.

*Ana Patrícia Dantas Leão é advogada e foi candidata à presidência da OAB-BA.

adm

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *