Crédito da foto: Iumara Rodrigues
O quinto dia da Bienal do Livro Bahia foi marcado, mais uma vez, por grande presença de público – da capital e de outras localidades – e debates pertinentes sobre distopias, afrofuturismos, literatura nordestina, fé, música brasileira, relações afetivas, dentre outros temas igualmente relevantes.
O Governo da Bahia distribuiu 10 mil vales-livro para alunos e professores da educação básica. O governador interagiu com estudantes baianos e recomendou a leitura das duas obras de Itamar Vieira Júnior, ‘Torto Arado’ e ‘Salvar o fogo’.
“O livro tem o potencial de fazer as pessoas viajarem, sonharem, elaborarem. Avançamos bastante, mas a participação do brasileiro e da brasileira, e dos baianos, no que diz respeito à quantidade de livros lidos durante o ano, ainda é relativamente baixa”, pontuou Rodrigues.
Na Arena Jovem lotada, os escritores Anderson Shon (‘Estados Unidos da África’, ‘Quando as borboletas saem do casulo’, ‘Não termine comigo, Joana’) e Stefano Volp (‘Homens pretos (não) choram’, ‘Nunca vi a chuva’, ‘O beijo do rio’) promoveram debate acerca de como as distopias fazem pensar no painel ‘O relógio do juízo final’. Quando perguntado por que decidiu escrever sobre o fim do mundo para jovens, Shon argumentou que “o fim é muito próximo do começo, pensar no fim é pensar na possibilidade de começar algo. As coisas precisam terminar para que outras nasçam”.
Já Volp relatou sobre as dificuldades de publicação em início de carreira. “Bati na porta de várias editoras. Ouvi mais ‘não’ do que ‘sim’. Minha campanha na Catarse não foi bem-sucedida. O grande lance foi publicar na Amazon. Fui parar em clubes de leitura. Fez muita diferença também pagar uma assessoria de imprensa. O livro foi crescendo. Chegou no Lázaro Ramos, no Emicida”, contou o autor.
Outro destaque da tarde no Café Literário foi o painel ‘Visões do Nordeste’ com três grandes nomes da literatura nordestina: Claudia Cavalcanti (‘Avenida Beberibe’), Micheliny Verunschk (‘O som do rugido da onça’, ‘Caminhando com os mortos’) e Stênio Gardel (‘A palavra que resta’). Sobre o que trazem do Nordeste nas suas obras, Gardel contou: “eu, um menino gay do interior do Ceará estar hoje como autor de romance com personagem gay é importante. Trago o Nordeste machista, preconceituoso, que olha de viés para o que é diferente. Trago também o Nordeste que ensina a ser resiliente”. A pernambucana Verunschk confessou a dificuldade de falar sobre o Nordeste. “Essa dificuldade reside nessa construção do Nordeste como um lugar de tradições arcaicas, sotaques mal queridos. O Nordeste dos afetos é violento, mas povoado de coisas interessantes”. A narrativa de ‘Avenida Beberibe’, de Claudia Cavalcanti, trata de eventos da história do país e da vida pública do Recife. Na leitura, “vagueamos pelo Brasil e sua anacrônica arquitetura cotidiana, na qual o quarto da empregada também foi, de tão presente, feito normal. Uma outra repressão, marcada pela cor da pele e convenientemente silenciada”.
No painel ‘Divinos e maravilhosos’, os escritores Socorro Acioli e Ian Fraser conversaram sobre as tecnologias da fé para pensar o Nordeste. Autora do best-seller ‘A cabeça do santo’, Socorro contou de onde veio a inspiração para a história. Segundo ela, tudo surgiu a partir de uma matéria de jornal onde uma senhora muito irritada reclamava que até um vagabundo estava morando no interior da estátua da cabeça de um santo. “Ela me deu um personagem e eu desenvolvi a história. Hoje, sempre que as pessoas veem algo absurdo misturado com religião, elas me mandam e tenho um catálogo de histórias reais que, se alguém inventasse, diriam que estava exagerando”, riu.
Alfabetizado primeiro em inglês, o baiano Ian Fraser, por sua vez, contou que foi criado com fortes referências da cultura norte-americana e detalhou a sua trajetória até sentir que precisava escrever sobre a cultura soteropolitana. “O imaginário popular está dominado pela pele branca e pelo capitalismo estadunidense. Para mim, a grande graça é escrever sobre o lado de cá. Recuperar minha identidade soteropolitana foi a minha meta”, contou.
Caymmi e Amado
Aniversariante do dia, Dorival Caymmi estaria completando 110 anos nesta terça, 30 de abril, e para celebrar a data, Alice Caymmi, cantora e neta dele, e a escritora Paloma Amado trouxeram histórias das interações entre a família do compositor e a do romancista Jorge Amado. Paloma recordou episódios espirituosos de Stella Maris, esposa de Caymmi: em um deles, ela quebrou um telefone na cabeça do cantor depois de flagrar um caso extraconjugal, e em outro, fez xixi no colo de uma mulher que teria zombado dela.
“As histórias da Bahia envolvem muita magia. Meu pai foi um ateu comunista e ele mesmo dizia que era um ateu que vê milagres. Muitas vezes, vi milagres junto com ele e ele dizia: ‘Filha, milagres a gente vê e não explica, a gente guarda para si e pronto'”, declarou ela no Café Literário, outro espaço da Bienal.
Alice contou que para formar sua própria identidade contou com o incentivo do avô. “Ele sacou que eu era artista. Ele falava para meu pai: ‘Cuida bem dela porque ela tem estrela’. Eu passei no vestibular de Direito, um curso dificílimo… Quando fui trancar o curso, a mulher disse: ‘A gente já estava te esperando mesmo, não tem jeito, você é artista”, disse.
Por novas histórias de amor
Já na última mesa do dia, na Arena Jovem, com o tema ‘Por novas histórias de amor’, os escritores Pedro Rhuas, Abdi Nazemian e Vanessa Reis falaram sobre como as narrativas LGBTQIAPN+ e de pessoas com deficiência ainda são recentes e raras. Emocionado, Rhuas lembrou que muitas histórias reais não podem ser contadas nem vividas devido à violência, aproveitando para citar dados de pessoas queer assassinadas em 2023 no Brasil.
“O amor, para nós, é algo que passa por vários percalços, porque as mensagens que nos dizem é de que nós não merecemos ser amados, de que um garoto amar outro garoto é pecado. Seguiremos construindo histórias de amor para que o Brasil não seja o país que mais mata pessoas LGBTQIAPN+ no mundo”, disse.
Escritora PCD, a baiana Vanessa Reis defendeu que os leitores devem olhar essas histórias de amor para outros corpos não só pelo prisma da representatividade, mas porque muitas delas são, de fato, boas histórias que podem ser lidas por qualquer pessoa.
“O amor é, principalmente, o que nos adia o adoecimento. Sem amor, a gente adoece. E é importante falar de amor para outros corpos porque olham para PCDs como se não fossem passíveis de amor. Nos reduzem à deficiência, mas somos pessoas como todas as outras, passíveis ao amor e amar”, lembrou.
Autor de cinco romances, o iraniano-americano Abdi Nazemian comentou como movimentos políticos conservadores têm dificultado avanços ainda mais promissores para a comunidade queer.
“Meus livros estão banidos agora em alguns estados dos EUA porque não querem que se fale de comunidade queer. Uma coisa que é importante para mim é que a gente não pode deixar que nos ataquem ao ponto de nos fazerem perder o nosso senso de comunidade. Então, acho que a nossa comunidade está na posição de poder ensinar alguma coisa, como poder viver em harmonia”, analisou.