Unindo beleza, religiosidade e sustentabilidade, o Parque da Pedra de Xangô, localizado no bairro de Cajazeiras 10, em Salvador, será inaugurado nesta quarta-feira (3). A valorização do monumento natural, considerado sagrado pelo candomblé, foi um pedido da comunidade.
Tombada pela prefeitura em maio de 2017, através da Fundação Gregório de Matos (FGM), a Pedra de Xangô, monumento natural, marco da paisagem local e símbolo de ancestralidade, é protegida pela Lei de Preservação do Patrimônio Cultural do Município (8.550/2014).
A instalação do parque, que tem 67 mil m² , foi um trabalho em conjunto entre a Fundação Mário Leal Ferreira, o arquiteto Floriano Freaza e os moradores de Cajazeiras. É o primeiro parque do Brasil com nome de orixá, divindade do candomblé e da umbanda.
O parque fica instalado na Avenida Assis Valente, em uma área de Mata Atlântica, local que abrigou durante 20 anos (1743 e 1763), o Quilombo Buraco do Tatu.
No local, além de um destaque maior para a Pedra de Xangô, com um lago artificial, foram criados um memorial com um auditório e uma cantina.
“Tinha um grande problema que todos identificavam. A via passava muito próxima da pedra e com isso ela estava muito vulnerável e poderia ter um acidente ali”, disse a presidente da Fundação Mário Leal Ferreira, Tânia Scofield.
De acordo com Tânia, a construção do memorial foi um pedido da comunidade, para que o espaço também seja usado para palestras e cursos.
“Tem a questão ambiental, que a gente preservou toda a vegetação existente na área, tem a religiosidade africana que é a Pedra de Xangô e tem a questão cultural, histórica, do quilombo de Tatu, onde os escravos passavam pela pedra e ninguém mais o encontravam”, afirmou.
Sustentabilidade
Além do aspecto estético e todo conceito religioso, o Parque da Pedra de Xangô foi pensado como um equipamento sustentável. Para isso, foram usados materiais naturais e orgânicos, implementados pela técnica milenar “Taipa de Pilão”, de quatro mil anos, que mistura de argila e cascalho.
“Eu diria que mais de 90% dos materiais usados no parque são naturais. Todas as paredes do memorial são de ‘Taipa de Pilão’, pedras naturais (granito natural bruto e a pedra portuguesa), além da madeira”, contou a presidente da fundação.
O espaço é ocupado por muitos devotos do candomblé, que colocam oferendas sagradas – pela existência da Pedra de Xangô, reconhecida pelo povo de santo como Altar de Xangô. Outro motivo são os elementos fundamentais para o ritual da religião, como água e folhas.
O Parque tem o objetivo de preservar o patrimônio e atender a forte mobilização principalmente de estudiosos e adeptos das religiões de matriz africana.
“A Pedra de Xangô é terra de preto, é um sítio natural sagrado que abriga ambiência significativas tanto pelo seu valor simbólico, quanto por sua importância histórica, cultural, ambiental e geológica”, disse a pesquisadora e autora do livro “Pedra de Xangô”, Maria Alice Silva.
“Para uma cidade que é um dos principais centros de negritude do mundo, o Parque Pedra de Xangô para a comunidade do entorno é um ato de reparação histórica”, contou orgulhosa.
Para Maria Alice Silva, que também é advogada, mestra e doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pela Ufba, a implantação do Parque Pedra de Xangô também pode ser considerada como uma política pública de promoção da igualdade racial.
“Vai garantir a pluralidade de crenças, às manifestações culturais, populares, indígenas e afro-brasileiras e das de outros grupos integrantes da formação étnica do país”.
A pesquisadora explica que atualmente mais de 60% das comunidades de terreiros de Salvador são considerados “terreiros de laje”, ou seja, aqueles que não possuem espaço interno para a realização de rituais e necessitam das praças, encruzilhadas e parques para alimentar o seu Axé, o seu Sagrado.
“Sem folhas não há orixá. As matas, árvores, plantas, fontes, pedras, dentre outros elementos da natureza, são imprescindíveis para a realização dos atos litúrgicos do Candomblé”, afirmou Maria Alice Silva.
Em julho do ano passado, a Pedra de Xangô sediou a primeira cerimônia de casamento religioso afro-brasileiro de que se tem notícia no local.
O noivo Stefano Diego Borges “Odesì”, ou seja, vodunsi iniciado para o Vodun Odé, e a noiva Sinay Almeida, Gayaku, mãe de santo do Terreiro Vodun Kwe Tò Zò de nação Jeje, receberam as bênçãos por meio das mãos de Tata Mutá Imê, sacerdote de nação Angola.
No entanto, a Pedra de de Xangô não foi só palco de histórias boas. Em dezembro de 2018, o monumento sagrado foi alvo de um ataque. A pedra foi vandalizada quando 100 kg de sal foram jogados no local.
O caso foi considerado um ato de intolerância religiosa, já que o sal é um símbolo de purificação, e o fato de ter sido jogado na pedra dá a entender que o local cultuado pelo Candomblé estivesse impuro.
E é com a proposta de fortalecer o respeito às diversas crenças, religiões, ritos e símbolos sagrados, que o Parque Pedra de Xangô foi feito.
“Fruto de uma luta de 16 anos do Povo de Terreiro. Na data do aniversário de 5 anos do tombamento municipal da Pedra de Xangô, vamos celebrar uma nova conquista: a inauguração do primeiro Parque no Brasil a ostentar o nome de um Orixá, Parque Pedra de Xangô”, festejou Maria Alice Silva.