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A fisioterapeuta Bianca*, 29 anos, está cansada – e não é só pelo trabalho na linha de frente do combate ao coronavírus no estado. Atuando em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) de covid-19 de dois hospitais da Bahia, ela tem travado outra batalha em casa: com a mãe que, aos 61 anos, relaxou no uso de máscaras.
“O que observo nela também tenho visto no geral. Sinto que minha mãe tinha muito mais cuidado, até para lavar a máscara. Ela chegava e lavava todas as usadas. Hoje, ela repete, pega a mesma que já usou”, conta. As saídas também aumentaram. Se, antes, a mãe quase não deixava a casa, agora tem acontecido com uma frequência maior.
Nessas ocasiões, mais alguns vacilos.
“Qualquer oportunidade que tem, ela tira a máscara. Mal chega em um restaurante e tira, mesmo que eu diga para tirar só quando vier a comida. Estou tentando fazer o máximo, mas se ela não faz por ela, eu já cansei. Sinto que ela fica no mundo da fantasia, achando que está se protegendo”, desabafa.
O caso da mãe de Bianca expõe uma realidade preocupante para as autoridades de saúde. “Relaxamento” talvez seja a melhor definição para o que tem acontecido com muita gente nos últimos meses, na Bahia. Em bom baianês: o que não falta é quem largou de mão, que jogou para cima. Se o estado saiu na frente, ainda em abril, por estimular – e exigir, em estabelecimentos – o uso de máscaras na pandemia, a percepção de especialistas é que a adesão tenha diminuído por aqui.
Por trás da mudança de comportamento, algumas justificativas se destacam. A própria flexibilização de medidas de restrição, a partir de agosto do ano passado, teria influenciado. É como se, depois do susto – de maio a julho, no máximo até agosto de 2020 – as pessoas tivessem ficado anestesiadas.
“Parece que começaram simplesmente a ignorar. A gente começou a ver uma relutância maior no uso das máscaras, da higienização, do respeito ao distanciamento social. Estavam como se a pandemia estivesse acabando, estivesse no final”, analisa a epidemiologista Naiá Ortelan, pesquisadora da Rede Covida.
Falsa segurança
De repente, a segunda onda parecia algo distante. Não importa se muitos cientistas defendam que, no Brasil, nem mesmo tenha havido uma divisão – a primeira onda teria sido emendada na segunda. Parecia que o risco agora era algo que só se ouviria nos telejornais que mostravam a situação de países da Europa – uma versão piorada do que tinha acontecido no começo.
A queda momentânea no número de casos e de óbitos, assim como o início da vacinação, contribuíram para criar uma falsa sensação de segurança.
De fato, até nas estatísticas do IHME, é possível notar uma diferença. A queda começa em agosto e vai até dezembro, quando chega a 60%. Depois, a curva cresce um pouco – ainda que não esteja no mesmo patamar dos primeiros meses da pandemia.
Apesar da diminuição, Tereza não vê a possibilidade de adotar medidas mais duras, a exemplo de multas para quem sair sem máscara na rua. “A multa não é educativa, é punitiva num estado que é tão pobre. O que temos feito é uma campanha educativa muito forte”, explica.
Isso tudo indica que, além da sensação de que o pior havia passado, a flexibilização nas máscaras começou a acontecer justamente quando outras medidas foram relaxadas. No meio de agosto, houve a reabertura de bares, restaurantes, academias, salões de beleza e centros culturais. Em setembro, foi a vez de cinemas e teatros. Eventos também foram autorizados, desde que respeitassem as regras de um decreto municipal. Essa reabertura só foi interrompida no final do ano, quando cinemas e teatros foram fechados novamente.
Individual e coletivo
Para muita gente, as máscaras podem ter representado algo assustador. Era novo e não fazia parte da cultura do país, como ressalta a assistente social Suzana Coelho, coordenadora do curso de Serviço Social da Unifacs. De acordo com ela, esse momento contrário à adesão revela a falta de uma visão ampliada de educação em saúde.
“Pelo que tenho observado, há pensamento de ‘ah, estou de máscara, mas está todo mundo se contaminando. Então, se é incômodo, vou tirar”, analisa.
Se a pandemia escancarou a necessidade de um pensamento coletivo, quem se nega a usar máscaras pode ter falta de senso de coletividade.
“A sensação que eu tenho é que chegou o momento que as pessoas percebem que não têm mais nada a perder. Tem um público que não tem oportunidade de diversão, de lazer, e as questões sociais vieram muito fortes. A máscara ficou em segundo plano”.
Mas, em um cenário como o atual, é urgente pensar além do individual. Ou, ainda, assumir que a atitude individual tem impacto no coletivo. Se a pessoa não gosta de usar máscara ou se sente extremamente desconfortável com ela, o ideal é buscar uma “redução de danos”.
Uma opção é evitar sair, de fato, como explica a epidemiologista Naiá Ortelan. “Se você está em um lugar que tem aglomeração, é obrigatório e é necessário respeitar, porque você não está colocando só a sua vida em risco”, diz. Além disso, uma dica é testar modelos de máscaras para saber quais são mais adequadas para cada pessoa.
“Se a respiração fica mais difícil, o ideal é tentar fazer as coisas com mais calma, para não ficar muito ofegante. Tente ir em horários não muito quentes, também para não ficar ofegante”, completa.
*Nome fictício