O humorista e diretor Marcius Melhem, que trabalhou em programas como “Os Caras de Pau”, “Zorra”, “Escolinha do Professor Raimundo” e “Tá no Ar: A TV na TV”, está sendo denunciado por assédio sexual por pelo menos seis atrizes. A informação foi divulgada pela colunista Monica Bergamo, da Folha de S. Paulo, na noite de sábado (24/10).
“Houve um comportamento recorrente, de trancar mulheres em espaços e as tentar agarrar, contra a vontade delas. De insistir e ficar mandando mensagem inclusive de teor sexual para mulheres que ele decidia se iam ser escaladas ou não para trabalhar, se ia ter cena ou não para elas [nos programas de humor]. De prejudicar as carreiras de mulheres que o rejeitaram. De ficar obcecado, perseguindo mesmo. Foi um constrangimento sistemático e insistente, muito recorrente”, disse a advogada criminalista Mayra Cotta, que representa as atrizes.
Segundo a advogada, ela foi escolhida para falar publicamente “para não ‘fulanizar'”, marcando a história de alguma das mulheres que denunciaram como “vítima de assédio sexual”. A primeira denúncia contra o humorista de assédio sexual aconteceu em dezembro de 2019, feita atriz e humorista Dani Calabresa. Depois dela, as outras mulheres teriam tomado coragem para fazer a denúncia e, em março de 2020, ele deixou a direção do núcleo de programas de humor da Globo e pediu licença das funções, alegando motivos pessoais. Em 14 de agosto, depois de quase duas décadas de trabalho na emissora, Melhem foi demitido ‘de comum acordo’ após uma ‘parceria de 17 anos de sucessos’, segundo nota enviada pela Globo.
A demissão, entretanto, irritou ainda mais as vítimas por conta dos elogios. O apoio a elas cresceu, e um grupo de mais de 30 funcionários ou parceiros da empresa participou de reuniões internas na empresa sobre esse assunto. “É um chefe que se vale de sua posição para tentar usar o poder que tinha de contratar ou demitir para as constranger a se envolver com ele”, resumiu a advogada à colunista.
“Ele isolava as atrizes, tinha o poder de não as deixar ir para outros lugares [na emissora], fazer outras coisas. E criava um ambiente de trabalho tóxico. As pessoas se sentiam presas, sem conseguir se livrar daquilo. Ele usava situações de trabalho para as tentar agarrar à força, inclusive usando violência. […] De agarrar, de as colocar contra a parede, tentar beijar à força. Isso é bastante violento”, descreveu.
A representante do grupo ainda explica que, mesmo com as atrizes dizendo que estavam incomodadas, Melhem continuava o assédio. “Foram casos de assédio sexual mesmo. De mulheres falando não, não quero, me solta, não vou beijar, não vou ficar com você. E ele tentando, agarrando. Não tem zona cinzenta, isso é violência. E aí tem algo muito sério: ele era chefe delas. Ele tinha uma posição de poder”, explica.
Mesmo antes de ser diretor, o humosrista já era redator dos programas de comédia da casa e “se apresentava como a pessoa que as trouxe para a TV Globo, que estava cuidando delas ali dentro, que estava protegendo, como responsável pela carreira delas”, segundo a advogada. Ela explica que a relação de poder se assemelha a um relacionamento abusivo: “Ele era capaz de definir quem trabalhava e quem não trabalhava. Tinha o poder de colocar uma atriz na geladeira, por exemplo. Ou de escrever cenas em que contracenava beijando, agarrando a atriz. De usar esse poder de redator, e depois de chefe, para trazer as mulheres para a sua esfera de poder, e com isso as constranger”, contou.
“E ele não era. As mulheres fizeram as carreiras porque são talentosas. Pelo trabalho. E ele prejudicou muitas delas também”, finaliza Mayra Cotta. Após a denúncia, o também humorista Marcelo Adnet divulgou publicamente seu apoio as vítimas.
VERSÃO DO ACUSADO
Pouco após a publicação da denúncia, o humorista enviou uma carta à Folha de S. Paulo contando a sua versão. Confira o comunicado, na íntegra:
“Como escrever uma nota pra comentar acusações dessa gravidade?
Culpados e inocentes dizem a mesma coisa. ‘Sou inocente’. ‘Vou provar na justiça’. Por isso qualquer coisa que eu diga pode soar falsa de cara.
Mas preciso falar e com o tempo mostrar minha sinceridade no que vou dizer aqui.
Estou disposto a reconhecer meus erros, pedir desculpas e, se possível, reparar pessoas que eu tenha de qualquer forma magoado. Quero enfrentar isso com verdade e humanidade e me expor se for preciso. Fazer jus a todos esses anos em que pautas como as do feminismo foram abraçadas pelo humor transformador em que eu acredito. Fiz parte de um grupo de homens e mulheres que se orgulha de usar o humor como um instrumento contra o preconceito. Mas mesmo abraçando profissionalmente a causa feminista, ainda combato o machismo dentro de mim, erro, posso ter relações que magoem. Tento melhorar e aprender. E queria muito falar sobre isso.
Mas diante de acusações tão graves que eu de forma alguma cometi, o que eu posso fazer? Negar.
Eu coloco à disposição toda minha comunicação que tenho arquivada, com qualquer pessoa que tenha trabalhado ou se relacionado comigo nesses anos. E peço que ouçam as pessoas que trabalharam comigo, que acompanharam muitas situações de perto e que podem falar bastante sobre isso tudo. Peço por favor que apurem a verdade e não apoiem mentiras. Há alguns meses, tive que sair do país para um importante tratamento médico de minha filha e não acreditei quando essa viagem passou a ser divulgada como uma fuga.
Qualquer pessoa que me conheça, que tenha convivido minimamente comigo sabe que é impossível eu praticar alguma violência, especialmente contra as mulheres. Jamais seria capaz de emparedar alguém à força.
Até hoje eu fiquei calado porque as acusações não apareceram aqui fora. No compliance da Rede Globo tudo foi apurado e investigado rigorosamente. Saí pela porta da frente da emissora que trabalhei por 17 anos.
Sei que num caso desses, ainda mais no momento que vivemos, de tanto ódio, serei culpado até provar o contrário. Então quero que tudo seja colocado às claras, expor a minha inocência e os meus erros. Quero poder pedir desculpas e cobrar responsabilidades. Vou em busca da verdade.”